20120724

A velha nova senhora




Aqui na agência já começaram os trabalhos para campanhas políticas. E como na correria todo mundo faz de tudo, lá fui eu atender os vereadores em uma cidade do Tocantins, apesar de ser redatora.

Eles me contavam um pouco de sua história, de como decidiram se candidatar, as experiências em cargos públicos, etc. Biografia, currículo ou briefing, chamem como preferirem, o fato é que foi a melhor coisa que eu fiz. Não pelo trabalho em si (continuo preferindo escrever aqui na sala, sem contato direto com esse mundo de gente, que acaba me deixando pra lá de desorientada), mas pela diversidade de histórias que ouvi. Umas engraçadas, outras bizarras, outras que eu ficava me perguntando que raios aquele filho de uma boa mãe tava fazendo ali, se candidatando para um cargo público.

Foi no meio dos mais de 50 candidatos daquele dia que ouvi uma história que me sensibilizou.

Não estou aqui fazendo campanha pra ninguém, tampouco vou dizer o nome, cidade ou partido dessa personagem. Só estou relatando um depoimento peculiar.

Era finalzinho da manhã. A hora do almoço já se aproximava, segundo roncos do meu estômago. Já tinha ouvido histórias vazias o suficiente para ficar desiludida com os candidatos até a próxima eleição, então senta na minha frente uma senhorinha. Cabelos brancos, magra, baixinha. O tom de voz era ainda mais baixo que ela.  Lembrei da minha avó, que deixei lá nas Minas Gerais, e da saudade que eu estou dela.

Com uma lucidez de dar inveja e vigor de quem tem 20 anos, a mulher, nascida e criada na própria cidade, contava com detalhes algumas passagens históricas do município, as quais presenciou. Já foi professora de um bocado de matérias: português, geografia, desenho e educação física. Brinquei que ele era muito inteligente. Acho que hoje a gente tá tão acostumado com a especialização em uma coisa só que estranha quando encontra alguém que sabe de tudo. Ela contou inclusive, toda orgulhosa, que foi professora de desenho de todos os arquitetos da cidade. Hoje ela se dedica a dar aulas de ginástica para a terceira idade, e a cuidar dos idosos de uma forma geral. Também se formou em psicologia e psicopedagogia (ufa! Quanta coisa!).

Falou da sua vida difícil e de como superou os obstáculos e conciliou os estudos com a atividade na lavoura. Muito disso com o apoio da mãe, a quem fez questão de dar um espaço em sua biografia “coloca aí o nome dela, por favor, eu quero que escreva o nome dela e do meu pai”. E lá estavam os olhos da senhorinha cheios de lágrimas, que escorriam enquanto ela contava que o apelido do pai era “óculos de pau”, porque usou esse material para fazer o conserto, na falta de dinheiro para comprar um novo. Segurei as mãos dela, na tentativa de acalmá-la. Quase choro também.

Continuamos a entrevista. Contou que foi a fundadora da APAE daquele município, depois de viver de perto o drama da neta, que nasceu com a síndrome. “fui eu quem cuidei do tratamento psicológico dela. Ela não tem vergonha, não se acha pior que ninguém, não anda de cabeça baixa igual a maioria dos portadores da síndrome. É uma jovem feliz e sadia” dizia a avó coruja, enquanto explicava que queria fazer o mesmo pelos demais portadores de Down da cidade.

Eu comentei, no meio da conversa, que a vida dela dava um livro, sem saber que já escrevera um. “fala sobre a vida, sobre a família e sobre a criação do estado do Tocantins” ditava a senhora, pausadamente. Ainda descobri que ela faz parte da Academia de Letras da cidade, 13ª cadeira, como ela bem lembrou, rindo.

A essa altura, eu já estava impressionada. E quando achei que acabaram as surpresas, perguntei, brincando, qual era o segredo de tanta vitalidade. E ela me respondeu sorrindo “sou adepta da urinoterapia”. Achei estranho e não sabia qual reação esboçar, apenas pedí que ela me contasse mais sobre aquilo. “é anticorpo natural, me revigora e tira todas as impurezas”. Se é isso que funciona eu não sei, mas que ela é realmente uma das senhoras mais jovens que conheci, é verdade!

No final da entrevista, ainda me presenteou com o livro que ela escreveu e uma dedicatória carinhosa “para uma querida leitora”.

Em meio a algumas histórias de candidatos vazios e ambições grandes, pessoas como essa me emocionaram e trouxeram esperança de um futuro melhor e de uma política mais honesta, com gente que realmente merece à frente da população. Se eu fosse da cidade dela, o meu voto aquela senhora já tinha garantido. 

3 comentários:

  1. Bem sei o que ouvir varias e varias histórias, mas uma como essa é rara infelizmente!! Vc pode se considerar uma sortuda!! Há e pode começar a praticar a urinoterapia tb..kkkkk

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  2. Bem, deu para constatar que ela não pretendia te vender um frasquinho do xixi milagroso.

    Adorei o texto.

    Vou ler mais

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  3. Muito bacana esse texto, Ana.
    Fiquei curiosa para ler o livro dela.
    Bjo

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